terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Ensaio sobre a cegueira

Partindo do pressuposto que toda a humanidade estaria cega, o livro leva-nos a indagar como se comportaria a sociedade, e nós próprios, caso existisse uma situação semelhante, que nos tornasse a todos vulneráveis. Perante uma tal desorganização e sendo emergente a imposição dos instintos de sobrevivência em detrimento dos valores básicos tidos como desejáveis e praticados actualmente, as pessoas assemelham-se mais a animais do que a humanos.

É impossível não temermos uma epidemia, imaginarmos como agiríamos ou como o medo faria vir à tona os instintos mais escondidos dos homens, levando-os a quebrar regras. Damos por nós a perguntarmo-nos se preferiríamos estar também nós cegos ou visualizar imagens horripilantes como os cães a devorar um cadáver de um homem. Para além disto, existe ainda um relato radiofónico que nos noticia o caos estabelecido no mundo e as atitudes que os governantes tomam, numa tentativa de isolar o problema e não de estudá-lo.

O livro transmitiu-me a ideia de que o mundo não está bem. De que nos vamos habituando às coisas más, dolorosas, perturbantes, e perdemos a sensibilidade, a capacidade de reagir às coisas más, de combatê-las. Este livro é, de uma maneira um tanto excessiva, a metáfora do medo real. O retrato tinha que ser duro, porque o mundo é duro e violento.

A obra faz-nos indagar se é assim que somos e aonde nos leva o caminho por onde vamos. Faz-nos reflectir sobre as relações entre o individual e o colectivo. Embora não apresente respostas para a maioria das questões colocadas.
É por esta reflexão contínua que nos é impingida pelo autor, que considero o livro sempre actual. As questões levantadas durante o percurso das personagens, sobretudo os comportamentos adoptados e a convivência entre pessoas que se se vissem não olhariam uma para a outra com um olhar ocasional, faz-nos reflectir e perguntar como é que nos podemos definir.

No fim, toda a alegria exaltada é substituída por uma conclusão interrogadora quando a mulher do médico diz que "vendo estamos cegos". O que nos leva a fazer a mesma pergunta ao longo dos tempos: é necessário cegar para que possamos "ver" cada um?

26 comentários:

  1. Isto dá jeito para as fichas de leitura de português!

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  2. É uma história intensiva e sofrida, que nos leva perceber-mo-nos da reacção própria do ser humano quando confrontado com a incapacidade e a impotência. Tudo isto para não falar de todo o contexto filosófico próprio de Saramago.

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  3. Um livro, como todos os de Saramago, de bastante difícil leitura, que nos retrata a degradação da sociedade quando confrontada com a problemática que expõe e explora os limites do ser humano.
    Pessoalmente, foi desesperante ler esta obra em particular. Toda ela está envolta em angústia, é complexa e profunda.
    Ler Saramago não é para todos, a leitura é realmente difícil. Parabéns!

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  4. É pena mas é o tipo de livros que não consigo ler.
    ...
    O homem escreve de forma estranha!

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  5. Concordo. Muitas frases só com vírgulas e sem pontos finais ou parágrafos.

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  6. Gostei do livro, mas não acho que este seja um retrato directo da nossa sociedade.

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  7. A escrita em si, com frases longas e poucos parágrafos, leva o leitor a construir os acontecimentos mentalmente a uma velocidade surpreendente, deixando o relato aberto à sua imaginação.

    Pessoalmente, recomendo-o a todos os que tiverem pensamento crítico e sensibilidade.

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  8. Mas estejam preparados os mais sensíveis, pois o livro consegue misturar o belo e o macabro. Chega até a ser revoltante em alguns momentos da narrativa.

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  9. Você não considera o livro o retrato da nossa sociedade? Já observou o comportamento da sociedade onde está inserido?
    Compreendo que a história do livro, para além de descrever a nossa sociedade, apresenta também uma metáfora para muitas mais situações que ocorrem todos os dias?
    Talvez seja necessária uma mente aberta para compreender o livro a real essência do livro.

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  10. É um livro que nos proporciona excelentes momentos reflexivos!

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  11. A sociedade é toda ela cheia de intolerância e preconceito, como nos demonstra a história pela forma como os infectados são tratados, acho impossível não se construir uma ponte com a realidade que nos é apresentada diariamente. Já para não mencionar as mensagens construtivas e o conteúdo filosófico presente no livro.

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  12. O livro é realmente de uma profundidade desconcertante, principalmente pelas descrições de que está recheado.
    O incrível é que ao mesmo tempo consegue ser de uma beleza ímpar por revelar que há seres humanos que ainda têm compaixão e a capacidade de conseguir se colocar no lugar do outro.

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  13. António "Green" Évora25 de junho de 2010 às 10:27

    Não li o livro, mas vi o filme no cinema e está genial. É um filme poderoso e a Julianne Moore foi uma boa opção para o papel de mulher do médico, conseguiu encarnar bem o papel e aqueles olhos foram donos de uma expressividade magnética.

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  14. Ao ver o filme depois de ler o livro, torna-se simples perceber qual a razão que levou Saramago a emocionar-se quando o viu na sua apresentação. Quem leu o livro sabe que está muito bem retratada a realidade do livro no filme. Parabéns a Fernando Meirelles!

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  15. Aposto que o filme entra para a tua listinha de pérolas do cinema.

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  16. Vi na TVI à pouco tempo e não gostei muito. É demasiado violento nalgumas coisas e a história podia ser mais interessante. Mas ainda bem que há quem goste!

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  17. O livro nem ponho a hipótese de ler, porque tanta linhas seguidas sem parágrafos desnorteiam-me, mas o filme está lindo! Aluguei porque foi-me expressamente recomendado e adorei! É um filme muito forte, para quem gosta de pensar.

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  18. É preciso termos em conta que este filme não é um típico filme comercial, como os muitos que hoje fazem cartazes, e que nada nos prepara para um retrato tão desconcertante de uma sociedade tão degradada.
    O filme é como o livro: directo e dramático! E só pode ser de muito boa qualidade, visto que comoveu José Saramago.

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  19. Na minha opinião Célia, este é um livro/filme muito directo no que apresenta, porém parte da sua mensagem encontra-se um pouco dissimulada.
    Com toda a certeza é muito dramático, violento e, nem por sombras, é o típico filme comercial. Até porque a intenção é fazer-nos reflectir sobre a condição humana, a sociedade actual, etc.
    É mais simples ver o filme, mas considero o livro muito mais profundo, muito mais denso.

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  20. Todos parecem gostar mas acho que é um bocado exagerado, o livro e o filme.

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  21. Vi novamente o filme e voltei a arrepiar-me!
    ...
    Parece que vai continuar a ser tão actual daqui a 50 anos como é agora.
    ...
    Infelizmente!

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  22. É uma pena que todos vejam exactamente o que referiu Small Lady, mas nada façam para tornar este mundo um local um pouco melhor.
    Quanto ao filme, tal como o livro, é excelente. As personagens acabam por não ser muito aprofundadas, mas isso não impede que como um todo funcionem e passem a mensagem inerente à história de uma forma perfeitamente perceptível.

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  23. Discordo! As personagens têm alguns momentos individuais marcantes, principalmente a mulher do médico, talvez por ser aquela que nos guia e pode ser tanto os nossos olhos como os das outras personagens.
    Para as coisas mudarem era necessário alterar muita coisa...

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  24. E eu discordo de ambos (Célia e Lourenço). As personagens têm a sua profundidade, mas é preciso saber ver isso nas entrelinhas.
    Para o panorama mudar tínhamos de "alterar" os nossos valores de referência.

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  25. Isso é bastante mais explicito no livro cara Silvia, até porque no filme esse dito aprofundar acabaria por tornar o filme ainda mais pesado e convenhamos que pesado já ele é.

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  26. Livro interessante, mas filme pobre que não explorou a força dramática de algumas situações e conflitos.

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